- Eu queria marcar uma consulta no Dr.. eeeehmm.. Fa.. Fabio!
- Dr. Fabiano?
- Isso! Desculpa, eu confundo sempre Fábio com Fabiano - disfarcei.
- Pode ser para amanhã..ou é urgente? - questinou, desconfiada, a secretária.
- É super urgente! Estou com graves problemas de saúde e preciso de uma opinião especializada imediatamente!
Meu problema de saúde atendia pelo nome de "necessidade de justificar uma falta no trabalho" e o remédio eu já tinha: "Atestado Médico". Mas achei desproporcionado expor a minha saúde ali no meio da sala de espera na frente de tantos doentes. Poderia ferir a suscetibilidade de algum incauto.
- O Dr. vai atendê-lo daqui a pouco, pode aguardar um pouco..
- Obrigado - agradeci tentando esconder o entusiasmo. Depois de percorrer a cidade toda atrás de um médico que passasse um atestado de doença para justificar a minha viagem prolongada até o Nordeste, encontrar uma boa alma que o fizesse era uma ótima notícia, mesmo que ele ainda não soubesse o porquê da minha visita.
Sentei naquelas semi-confortáveis cadeiras das salas de espera dos consultórios, onde o objetivo é dar conforto sem que você se sinta tentado a passar a tarde ali lendo revistas do ano passado.
Em trinta minutos, descobri a dieta da Rita Caddilac, que a Sônia Lima tem saudades dos tempos de jurada do Show de Calouros, que a princesa Diana iria passar férias no Caribe e que Adriane Galisteu tinha se separado do namorado. Apenas a última notícia era atual, mesmo porque ela nunca perde a atualidade.
- Sr. Procópio! - Depois de ficar antenado com a realidade de 1997, ouço o meu nome no fundo do corredor.
Jogo a revista em cima da mesa com ar de desprezo e dou uma leve corrida em direção ao consultório, como se fosse receber um prêmio. A porta, entreaberta, escondia uma sala iluminada pelo sol da manhã, mas com um mobiliário requintado o suficiente para me mostrar que estava no espaço de alguém muito mais importante do que eu, simples mortal.
- Boa tarde.. - arrisquei baixinho enquanto entrava.
- Humpft.. - respondeu com entusiasmo o médico, completando com um seco: "Qual é o seu problema?"
- Bem, Dr.. eu, na verdade, não tenho propriamente um problema, eu vim aqui porque queria, se fosse possível.. Se não houver problemas para o senhor..
- Um atestado? - interrompeu o médico.
A ligeireza me surpreendeu, mas ao mesmo tempo ativou toda a cara de pau que havia em mim.
- Sim, sabe como é, estou fazendo mudanças na minha casa e precisava de dois dias para preparar tudo, depois no fim de semana uns amigos vão me ajudar com a movimentação dos móveis e depois precisava de mais dois dias para a arrumação na casa nova.. - resolvi não falar da viagem para o Nordeste, afinal uma mudança é considerada mais nobre do que uma mera e preguiçosa viagem de uma semana para o Nordeste.
- Uma semana chega?
Demorei dois segundos para responder e quando percebi estava com as praias, a água de coco, e os pestiscos à beira-mar estampados na minha testa, como uma tela de cinema.
- Está ótimo. Tenho certeza que vou conseguir fazer tudo o que preciso nesses dias, obrigado.
E ele terminou de escrever o atestado como se passasse uma receita, e no meu pensamento ele dizia: "Tome esse atestado de oito em oito horas e faça um repouso nos próximos sete dias".
Depois de deixar um cheque pesado nas suas mãos para pagar a consulta, afinal o paraíso de faltar no trabalho tem o seu preço, despedi com a cara mais séria do mundo, pronto para dar o pulo e comemoração do Pelé no corredor do consultório. Mas mantive a Copa de 66 na cabela e fui contido.
- Boa tarde, Dr. até a próxima!
- Boa tarde, e boas férias - completou, emendando logo - e boas mudanças!
Agradeci sem saber quais dos dois desejos estava agradecendo, mas sabendo que se os médicos não são deuses, pelo menos são oniscientes.
Marcadores: consultas, cronicas, medicos