terça-feira, agosto 30

Vôo

Voar é fácil.
Difícil é saber
que o ar que eleva
é o mesmo que segura.

Que o peso que pesa
é o mesmo que derruba
que o leme que guia,
é o mesmo que se perde.

Viver é fácil
Difícil é saber
se o ar, o peso e o leme
estarão lá nas horas certas.

Postar, comentar, publicar...

As rimas têm algo de interessante. Já coloquei aqui poemas de Camões e também a música da secretária, mas gosto de reparar no uso criativo das rimas no cancioneiro brasileiro. As rimas com os verbos terminados em "ar" são interessantes e complicadas. Rimar "amar" com "guardar" ou "salvar" requer longos anos de prática em poesias e letras. Depois temos as onomatopéias. Outro dia ouvi o clássico de uma dupla sertaneja que no meio da música sobre os peões boiadeiros, rimava "Piriri, Pororó" com algo parecido com "peão que é macho nunca fica só". Um clássico! Como descobriram que "só" apenas poderia rimar com "pororó"?
Por último temos uma das palavras mais escritas na literatura: o amor. Camões, Pessoa e Neruda não seriam os mesmos se naquela época tivessem a ideia de rimar "amor" com "carburador" ou com "isopor". Preferiram palavras chatas como "torpor" ou "ardor". Oh, get a life! Já volto, vou ouvir Nilton Cesar. Aqui segue um trecho de "Professor Apaixonado":

Desta maneira eu não posso lecionar
Há uma aluna que eu estou a namorar
Seu diretor, não queira estar no meu lugar
Nem a história do Brasil eu sei contar
Essa garota não me deixa respirar

Nove-vez-nove já não sei multiplicar
As minhas pernas começaram a tremular
Eu vou parar, eu vou parar,
Eu vou parar de lecionaaaar

sábado, agosto 27

Luz

O soro pingava ao ritmo dos ponteiros do relógio, mas a noite não passava. A solução salina era despejada na sua corrente sanguínea enquanto seu olhar estava inclinado para a janela, com a cabeça de lado no travesseiro. Os lençóis frios pareciam molhar as suas pernas flácidas e pálidas, cansadas da luz branca do hospital.
Depois de dois meses internado em busca de um doador de medula, Lúcio começava a perder as esperanças. Seu tipo sanguíneo, O negativo, era o número premiado da loteria que teimava em não sair. Os tempos não foram sempre de tristeza. Lúcio já foi quase operado por duas vezes, mas em ambas ocorreram contratempos que o impediram de ser feliz. Na primeira, houve um problema com a base de dados do hospital e a medula que era para ele foi parar num doente que estava mais abaixo na lista de espera. A ordem dos fatores não altera o produto. Era nessa frase matemática que pensava quando recordava o episódio. Preferia imaginar que o erro salvou a vida de uma outra pessoa, não importando que não fosse a sua. Mas importava. O produto que não foi alterado foi também a situação de Lúcio, ali, naquela cama de hospital.
No silêncio de um quarto de hospital, Lúcio ouvia as gotas do soro caindo e lembrava da chuva de verão na janela de madeira do seu quarto, quando ainda era uma criança. Pareciava o barulho da chuva e, naquela época, nunca imaginava que viria a associar esse ruído com um dos piores momentos da sua vida.
A segunda ocasião falhada de transplante foi por mera causa técnica. Análises de última hora verificaram que o seu sangue não era compatível com a medula em questão. Paciência. Agora, que contava o tempo não pelos minutos, mas pelo número de injeções ou de comprimidos, qeria apenas que aquela situação acabasse logo.
Olhava para a janela do hospital e lembrava da mesma janela do seu quarto. Não sabia o porquê das lembranças recorrentes da infância, mas tinha medo que isso significasse a proximidade da morte. Recordava dos dias em que ficava doente e a cama do seu quarto era o melhor recanto do mundo. Lembrava de quando fingia estar doente, para não ir à escola e tomar sorvete quando dizia ter dor de garganta. Lembrava. Lembrava de tantas coisas.
Nesse momento, uma luz refletiu do soro de Lúcio e cada gota recebeu um brilho especial. Para qualquer pessoa era o dia raiando, mas para ele, era um novo começo. Nos dias em que fingia estar doente, enquanto criança, às vezes esperava o sol raiar para ver as gotas de chuva brilhando e secando com o calor do novo dia. Hoje, naquele nascer do sol, na frieza do quarto hospitalar, Lúcio sentiu vontade de olhar para a janela com outros olhos. Olhar de quem espera o dia chegar. Olhar de quem espera. De quem olha com esperança.

segunda-feira, agosto 22

Um filme ácido/comédia/drama



Diálogo de um filme meio antigo, que eu gosto muito, que se chama Ghost World, do Terry Zwigoff, baseado numa história em quadrinhos e com uma trilha sonora fantástica. Apesar disso, recomendo que assistam primeiro o filme. Oportunidade de ver Thora Birch (Enid), Scarlett Johansson (Rebecca) e Steve Buscemi (Seymour).

Enid: How can you stand all these assholes?
Rebecca: Some people are ok, mostly I just feel like poisoning everybody.

quinta-feira, agosto 18

Janela

Abro a janela
para cheiros da infância,
para o silêncio da noite
e para o vôo da alma.

O silêncio cala
os pensamentos que eu não tenho
e grita os sonhos de amanhã.
Fecho a janela.

Abro a mente.
Fecho os olhos.
O coração sonha
e quem cala sou eu.

terça-feira, agosto 16

Letra cult

Viva o cancioneiro brega brasileiro! Amado Batista também é cultura! Nunca ninguém vai mais puxar as cortinas do mesmo jeito depois dessa música..

Secretária, by Amado Batista

Ela chega tão meiga e tão bela,
Puxa as cortinas e abre a janela,
Sempre com a mesma delicadeza,
E depois na sua sala ao lado,
Atende o telefone, anota os recados,
E coloca sobre minha mesa,
Está sempre muito sorridente,
Trata bem todos os meus clientes,
Para ela não é sacrifício,
Porém meu coração não quer entender,
O que ela faz com tanto prazer,
É um dever do seu ofício,
Secretária, que trabalha o dia inteiro comigo,
Estou correndo um grande perigo,
De ir parar num tribunal,
Secretária, às vezes penso em falar contigo,
Mas tenho medo de ser confundido,
Por um assédio sexual

sábado, agosto 13

Háháhá


Níquel Náusea, by Fernando Gonsales

quarta-feira, agosto 10

Post exclusivo a quem já leu os outros posts

A modernidade às vezes pode ser assustadora. Antigamente alguns supermercados tinham filas especiais e exclusivas para determinadas pessoas, como grávidas, deficientes motores, e pessoas idosas. Com o tempo, veio a especificidade. Hoje, é possível encontrar supermercados com filas para deficientes físicos, grávidas, idosos, pessoas com crianças de colo, deficientes auditivos, pessoas que possuem determinado cartão de cliente, e assim por diante. Quase antevejo um diálogo no supermercado do futuro:

Supermercado. Tarde de sábado. Filas intermináveis. Encontro uma caixa com poucas pessoas.

- Boa tarde, aqui é a caixa para pessoas com crianças de colo?
- Não, aqui é a caixa para pessoas com gastrite e que usem óculos.
- Ah, eu tenho uma azia pela manhã..
- E usa óculos?
- Uso, mas deixei em casa..
- Desculpe, mas vai ter que procurar outra caixa..
- Mas está tudo tão cheio!
- Experimente a 23, para pessoas com problemas de saúde e que esqueceram os óculos.
- Mas azia é um problema de saúde?
- O senhor tem muita azia?
- Só quando não tomo leite de manhã..
- Ah, então não é a caixa ideal para o senhor. Tente a 12. Exclusiva para pessoas saudáveis sem óculos..
- Mas quem disse que eu era totalmente saudável?
- Não é?
- Tenho calos.
- Humm.. Nos dois pés?
- Faz diferença?
- Se for nos dois, entre na caixa exclusiva a pessoas com problemas para ficar de pé. Se for só em um, entre na caixa para sacis.
- Vocês têm uma caixa para sacis?
- Temos...( esticando o pescoço em direção às outras caixas) Ah! Não temos mais, acabou de fechar! Os sacis não vêm muito ao sábado, sabe como é..
- Mas então como ficamos?
- Pode experimentar a caixa reservada a pessoas que não tem caixas exclusivas no supermercado.
- É exclusiva?
- Não. Mas aí o senhor já está exigindo demais do nosso supermercado.

terça-feira, agosto 9

Instante decisivo

Por aqueles motivos inexplicáveis, fui parar no blog do Leo Drumond, um mineiro que fez um estágio como trainee na Folha de São Paulo e que tem talento de sobra para fazer muita coisa legal. Foi dificílimo escolher uma foto do portfólio dele, mas escolhi essa pela simples semelhança com a foto do mestre Henri Cartier-Bresson, tirada atrás da Gare Saint Lazare, em Paris. A foto do Leo foi tirada na E.E. Gavião Peixoto, a maior escola pública de São Paulo.






Gare Saint Lazare, Paris, 1932, by Henri Cartier-Bresson

quarta-feira, agosto 3

Amanhã

Quando eu acordar de manhã,
quero olhar para o dia
e só ver luz.
Olhar para as nuvens
e só ver o céu.

Amanhã de manhã, quando eu acordar,
quero olhar para as pessoas
e só ver sorrisos.
Olhar para o futuro
e só ver vitórias.

Quando eu acordar de manhã,
quero olhar para mim
e só ver paz,
quero olhar para o meu lado
e só ver você.

www.flickr.com
This is a Flickr badge showing public photos from Prosaico 20mg. Make your own badge here.
RSS
Add to Technorati Favorites