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Caminhada de verão

Gostava do cheiro da noite de verão. Do aroma de terra molhada, mesmo quando só havia o sol para secá-la. Tinha uma mania que adorava, mas que procurava evitar: sair de madrugada e dar uma volta no quarteirão. Sabia que era perigoso, que podia ser assaltado, sequestrado, morto, ou as três coisas juntas. Hoje era um desses dias em que desejava arejar a cabeça, a pele e o coração. Simplesmente levantar da cadeira, calçar uns sapatos velhos e rasgar pela noite sem documentos nem destino.
A noite, sua amiga, não pede identificação, apenas quer companhia, alguém que caminhe com ela, de mãos dadas e sem apresentações, apenas pelo prazer da cumplicidade. O silêncio com que a noite partilha a sua presença é quase sagrado, mesmo quando os carros, os tiros e a polícia insistem em invadir o passeio de verão.
Respirou fundo ao mesmo ritmo dos primeiros passos na calçada rachada. Não era uma caminhada esportiva, mas sim uma caminhada de amantes. Sim, era casado com o dia e com o seu trabalho, mas a noite era a sua amante secreta, aquela que não lhe pedia satisfação nem cobrava a presença.
Uma vez tentara caminhar sem destino, fugindo da tradicional volta no quarteirão e da rotina do dia-a-dia, mas quando deu por si, sem saber como nem porquê, já estava na porta de casa novamente, como se, inconscientemente, a sua fuga o levasse para a própria razão de ter saído de casa. Talvez a noite, assim como uma amante, o quisesse apenas para uma volta.
A sua respiração era mais lenta do que os seus passos, apesar de estar andando depressa. O ar esverdeado pelo cheiro de grama cortada entrava nos seus pulmões calmamente e saía cinza e pesado como a sua alma. Como poderia dar cor à sua existência?
Sem pensar em nada, mas ao mesmo tempo com todas as ideias do mundo iluminando a sua cabeça, tinha chegado na porta do apartamento novamente. Como se admirasse um altar, levantou o olhar para a janela do seu quarto, com a luz ainda acesa, e sorriu. Um sorriso irônico, talvez até enigmático. Respirou todo o ar de uma só vez e continuou a caminhada. Hoje, daria duas voltas no quarteirão.

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